terça-feira, 2 de junho de 2009

Aos amigos chamados Opostos!

Pois sim, ora não
Era para ser paixão

Pois bem, ora mal
Era para ser normal

Pois vai, ora vem
Era para ser além

Pois é, ora pois
Não era para ser depois

Era para ser agora.
Pois já, que horas?

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A Casa Viva

-Entre!
-Minha nossa, que lugar estranho aqui!
-Não entendi, estranho como?
-Essa sala, por exemplo, é coisa de louco ver essas cadeiras, mesas, abajures e estantes se moverem.
-Porque estranho? Eu dou liberdade a todos aqui. Todos são iguais para mim.
-Eu nunca vi coisas tão estranhas. Aonde já se viu objetos se moverem?
-Você os está vendo agora, estão na sua frente, e porque eles não podem ser livres? Acho que no seu mundo as coisas devem ser muito chatas.
-Não acho, lá quando eu quero assistir à televisão o sofá não fica andando como um doido por aí.
-Viu como são chatas as coisas nesse seu mundo. Televisão sim é uma coisa chata, um aparelhinho quadrado que fica mostrando imagens. Não preciso disso no meu mundo, aqui tudo é verdadeiro.
-Não acho, eu passo o dia inteiro em frente à televisão e me divirto muito.
-Tudo bem então, já que você está dizendo. Minha opinião continua a mesma. Mas vamos mudar de assunto por hora. Quero saber o seu nome primeiro, afinal de contas não nos apresentamos ainda.
-Sou Nielad e moro a duas quadras daqui.
-Prazer Nielad. Chamo-me Gilfred.
-Porque eu nunca vi sua casa aqui? E olha que moro nesses arredores a um tempinho.
-A resposta é bem simples amigo. Minha casa sempre esteve aqui nesse lugar, o problema é que você não queria vê-la.
-Como assim? Todas as casas podem ser vistas, isso não é verdade.
-Essa é diferente, ela se mostra para quem quer vê-la, não é como as casas comuns que aparecem para todo mundo, esta é muito refinada, e fale baixo, pois ela pode ficar ofendida com o comentário. Sabe como é, ela é um pouco orgulhosa.
-AH, não me diga que ela também é viva e fica andando por aí.
-Nossa, estamos começando a nos entender. É isso mesmo, ela tem vida, mas não anda, como lhe disse ela só se esconde mesmo, e só se mostra para quem quer vir aqui.
-Mas eu não queria vir para cá, eu simplesmente brincava com minha bola e ela caiu no seu quintal.
-Nossa! Você entrou numa enrascada das grandes.
-Porque?
-Lá é um reino imenso, e com muitas criaturas más. São de todos os tamanhos e de todos os jeitos.
-Não acredito. E estou indo para lá agora mesmo pegar minha bola.
-Tudo bem! É só seguir em frente e abrir a porta.
-Fácil mesmo...
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-Falei para você ter cuidado, lá é um lugar perigoso.
-Socorro! Há um dragão correndo atrás de mim.
-Agora é tarde meu amiguinho, te avisei e nada posso fazer, ele tem vontade própria, não interfiro na vontade de ninguém.
-Por favor, me ajude, ele está cuspindo fogo e pegou na minha blusa, vou morrer queimado.
-Ah, não vai não amigo, pois vaso ruim não quebra fácil e além do mais a porta de saída está perto de você, é só correr e sair, o dragão não sai de minha casa, pode ficar tranqüilo.
-Obrigado... Estou conseguindo...Consegui.
-Nossa! Que menino estranho. Imagina, falar que minha casa não é real. Ele que é louco!

Fim

quarta-feira, 15 de abril de 2009

TANGERINA

Tangerina

Na frescura da fruta
Colhida do pé
Na seiva absoluta
Deito

No sentido longitudinal
Assim, atravessada
Colho a brisa do horizonte
Sinto o tremor na terra

Frescas como essa manhã
Doces como o orgasmo
A tangerina traça com seu perfil
O caminho do meu prazer


terça-feira, 24 de março de 2009

A Preocupação do Pai de Família

Alguns dizem que a palavra Odradek deriva do eslavo e com base nisso procuram demonstrar a formação dela. Outros por sua vez entendem que deriva do alemão, tendo sido apenas influenciada pelo eslavo. Mas a incerteza das duas interpretações permite concluir, sem dúvida com justiça, que nenhuma delas procede, sobretudo porque não se pode descobrir através de nenhuma um sentido para a palavra.
Naturalmente ninguém se ocuparia de estudos como esses se de fato não existisse um ser que se chama Odradek. À primeira vista ele tem o aspecto de um carretel de linha achatado e em forma de estrela, e com efeito parece também revestido de fios; de qualquer modo devem ser só pedaços de linha rebentados, velhos, atados uns aos outros, além de emaranhados e de tipo e cor dos mais diversos. Não é contudo apenas um carretel, pois do cento da estrela sai uma vare tinha e nela se encaixa depois uma outra, em ângulo reto. Com a ajuda desta última vareta de um lado e de um dos raios da estrela do outro, o conjunto é capaz de permanecer em pé como se estivesse sobre duas pernas.
Alguém poderia ficar tentado a acreditar que essa construção teria tido anteriormente alguma forma útil e que agora ela está apenas quebrada. Mas não parece ser este o caso; pelo menos não se encontra nenhum indício nesse sentido; em parte alguma podem ser vistas emendas ou rupturas assinalando algo dessa natureza; o todo na verdade se apresenta sem sentido, mas completo à sua maneira. Aliás não é possível dizer nada mais preciso a esse respeito, já que Odradek é extraordinariamente móvel e não se deixa capturar.
Ele se detém alternadamente no sótão, na escadaria, nos corredores, no vestíbulo. Às vezes fica meses sem ser visto; com certeza mudou-se então para outras casas; depois porém volta infalivelmente à nossa casa. Às vezes quando se sai pela porta e ele está inclinado sobre o corrimão logo embaixo, tem-se vontade de interpelá-lo. É natural que não se façam perguntas difíceis, mas sim que ele seja tratado - já que o seu minúsculo tamanho induz a isso - como uma criança. “Como você se chama?”, pergunta-se a ele. “Odradek”, ele responde. “E onde você mora?” “Domicílio incerto” diz e ri; mas é um riso como só se pode emitir sem pulmões. Soa talvez como o farfalhar de folhas caídas. Em geral com isso a conversa termina. Aliás mesmo essas respostas nem sempre podem ser obtidas; muitas vezes ele se conserva mudo por muito tempo como a madeira que parece ser.
Inutilmente eu me pergunto o que vai acontecer com ele. Será que pode morrer? Tudo o que morre teve antes uma espécie de meta, um tipo de atividade e nela se desgastou; não é assim com Odradek. Será então que a seu tempo ele ainda irá rolar escada abaixo diante dos pés dos meus filhos e dos filhos dos meus filhos, arrastando atrás de si os fios do carretel? Evidentemente ele não prejudica ninguém, mas a idéia de que ainda por cima ele deva me sobreviver me é quase dolorosa.
(Tradução de Modesto Carone in: Franz Kafka. Um Médico Rural. SP: Cia das Letras, 2003, p. 43-45)